Os três dias que se seguiram constam entre os mais felizes da minha vida. Só não digo os mais felizes porque a Dra. Lunin... não, a Chanel e eu continuávamos prisioneiros naquele maldito
bunker e eu tinha saudades dos meus filhos.
Só víamos o clone de manhã, por uns momentos. Convencido que recuperava ainda da sua doença grave, a criatura receava uma recaída e insistia em que nós médicos o examinássemos, antes de se levantar. Medíamos-lhe o pulso e a tensão arterial e, assim que o declarávamos estável, éramos dispensados.
Não fazíamos por isso ideia do que é que os fanáticos andavam a congeminar. As refeições eram-nos servidas pela bola chinesa, que, como já referi, mal abria a boca. Só quando nos surgiu o Sr. Lacucaracha, tive ocasião de perguntar porque é que a Olga ou o Cebolo já não vinham ter connosco. O mexicano respondeu:
“A Sra. Tortinova não deseja vê-lo, Professor.”
“Ora essa, porquê?”
A única resposta que recebi foi um encolher de ombros. Depois, o homem acrescentou:
“O José Cebolo manda-lhe muitos cumprimentos, mas anda tão ocupado, que não tem tido tempo de vir falar consigo.”
“Ocupado? Com o quê?”
“O Cebolo tornou-se no segundo homem da nossa comunidade, logo a seguir ao
Führer, que não prescinde da sua companhia e dos seus conselhos.”
“Logo a seguir ao
Führer? Então e o comandante?”
“Refere-se ao Sr. Kornflock?” inquiriu ele desdenhoso. “O
Führer não o aprecia por aí além.”
“Não me diga!”
“Sabe Professor”, aproximou-se de mim e segredou-me, “o Sr. Kornflock anda cheio de ciúmes do Cebolo.”
Aquilo inquietou-me. Era bem possível que o Kornflock se quisesse vingar daquela desconsideração. E, se aqueles doidos começassem a desentender-se uns com os outros, as consequências podiam ser catastróficas. Por isso, apesar do idílio amoroso, a Chanel e eu vivíamos em receio permanente.
Passados os três dias, fomos convocados a assistir a uma reunião da Presidência. Felizmente, ninguém nos obrigou a usar o uniforme oficial dos nazis. O clone fazia mesmo questão que andássemos de bata branca, talvez porque se sentia mais seguro com os seus médicos constantemente prontos a entrar em acção.
Tivemos direito a lugares sentados à mesa da Presidência. O meu era entre a Chanel e a Olga, mas a russa ignorou-me. O clone presidia à reunião com um Cebolo muito risonho do seu lado direito. A criatura levantou-se e afirmou:
“Minhas senhoras e meus senhores, hoje começará a limpeza do mundo!”
Meu Deus, que início! A Chanel e eu trocámos olhares alarmados. O clone prosseguiu:
“Dou assim conhecimento que eu, o vosso
Führer, sou a imagem por que todos se devem guiar. Como a Dra. Luninski muito inteligentemente observou, eu não tenho nada de ariano. Absolutamente nada! Acabemos por isso com esse disparate da raça ariana! Ordeno que todos os homens que não se pareçam comigo e que sejam muito mais altos que eu, sejam eliminados!”
Seguiu-se um silêncio perplexo. Depois, ele acrescentou firme:
“Não tolero homens que não se pareçam comigo!”
Aquilo já não era nenhuma brincadeira. Fixei a minha atenção nos senhores Kornflock e Obskur, que, devido ao seu aspecto, se encontravam em grande perigo. Os dois olhavam pálidos e incrédulos para o seu
Führer, mas mantinham-se em silêncio.
Eu é que não ia assistir imóvel à execução de pessoas, muito menos devido ao seu aspecto físico. Levantei o braço, pedindo permissão para usar da palavra. O clone dirigiu-se-me:
“Sim, doutor?”
“Meu...
Führer”, (custava-me tratá-lo daquela maneira, mas tencionava manter-me nas suas boas graças) “permita-me trocar algumas palavras em particular com o Sr. Kornflock.”
“Em particular?”
Não era só a surpresa que eu descortinava nos seus olhos, também incómodo. Tinha contado com a confiança que ele depositava em mim e na Chanel, confiança ou mesmo dependência, mas agora receava que me tivesse sobrestimado. Além disso, lembrei-me que meço 1,85m e que tenho cabelos castanhos e olhos azuis-escuros.
“A que propósito?” perguntou ele ainda.
“Trata-se de um”, humedeci os lábios secos, “um assunto pessoal.”
“Não permito que ninguém abandone esta sala, antes de dar por terminada esta reunião!”
Aquilo ia de mal a pior!