Janela Indiscreta

Blogue recomendado por Pedro Rolo Duarte no seu programa Janela Indiscreta, da Antena 1, a 28-07-2010.

14 de novembro de 2010

36 º Episódio

Não dormi quase nada, nem tão pouco consegui engolir o pequeno-almoço. Agora, que havia tomado a minha resolução, mal podia esperar para agir. Dirigi-me ao quarto da criatura, quanto mais cedo lá chegasse, melhor. Tinha a injecção pronta no bolso da minha bata.
O coração batia-me desenfreado, as pernas tremiam-me e, antes de bater à porta do quarto, coisa que fazia automaticamente todos os dias, respirei fundo.
Depois de bater, ouvi um enérgico: “Entre!”
Hesitei.
Normalmente, como o clone ainda se encontrava deitado quando eu lá chegava, não havia reacção à minha batida e eu limitava-me a entrar no quarto.
Mais uma vez respirei fundo. Abri a porta, entrei e... paralisei estupefacto! A cama estava vazia. O clone já se tinha arranjado e vestido, apertava o último botão do seu casaco em frente do espelho.
“Bom dia, doutor.”
“Meu... Führer, porque se levantou antes do exame de rotina?”
“Hoje não preciso dele. Nunca me senti tão bem na minha vida!”
Depois de mais um momento de estupefacção, repliquei:
“Nunca se sabe... Permita-me lembrar-lhe que o senhor esteve gravemente doente. Insisto em que se faça o exame de rotina!”
“Hoje não, doutor. Mal posso esperar para chegar à Sala da Presidência.”
Encarou-me e apercebeu-se da angústia no meu rosto, a que, no entanto, e felizmente, deu uma interpretação errada:
“Venha lá comigo e tome conta de mim, se fica mais descansado.”
Enquanto nos dirigíamos à Sala da Presidência, eu perguntava-me como arranjaria um pretexto para lhe dar a injecção. Talvez se me apresentasse uma oportunidade de dizer ao Sr. Cebolo que o Führer prescindira do seu exame matinal e se encontrava em grande perigo.
Chegados à sala, fomos saudados com o habitual Heil Hitler e sentámo-nos nos nossos lugares.
“Como se sente hoje, meu Führer?” perguntou logo o Sr. Cebolo e, a fim de não perder aquela oportunidade, antecipei-me ao interrogado:
“O Führer prescindiu hoje do seu exame de rotina, o que eu considero extremamente...”
“Acabe com esse disparate, doutor!” interrompeu-me a criatura. “Já lhe disse que me sinto melhor do que nunca.”
“De qualquer maneira, acho imprudente que...”
“Chega! O senhor ainda me estraga a boa disposição. Mas o que será que o apoquenta tanto hoje?”
Olhava-me desconfiado. Felizmente, o Sr. Cebolo resolveu intervir:
“Alegra-me sabê-lo em tão bom estado, meu Führer.”
“Melhor do que nunca, meu caro. Não sei se os senhores já se aperceberam, mas hoje é um dia especial! Um dia glorioso!”
Com mil milhões de divisões celulares! O que é que lhe passava agora pela cabeça? O meu receio e a minha ansiedade aumentavam e, apesar de dever manter a boca calada, não me aguentei:
“Um dia especial?”
“Mas claro, doutor. Olhe à sua volta! Não é esta uma visão divina?”
Não percebi logo onde é que ele queria chegar. Olhei à minha volta, mas via a mesma sala de sempre, a mesma mesa, as mesmas cadeiras, a mesma iluminação, as mesmas pessoas... Bem, não era bem assim: faltavam os alemães e as mulheres...
De repente, entendi! A Presidência estava agora bem ao gosto do clone! O que se resumia numa ironia suprema: todos os arianos haviam sido eliminados e esta nova versão do Adolfo Hitler sorria orgulhoso no meio de tipos morenos. Um dos novos membros da Presidência era até indiano e um outro de raça cigana. Os últimos nazis do mundo eram todos baixos e morenos e usavam aquele bigodito...

4 comentários:

jota disse...

Portanto, é um belo dia para começar o domínio do mundo. Medo!

antonio ganhão disse...

De vez em quando impõe-se uma limpeza... estou curioso por saber onde isto vai dar.

Pata Negra disse...

Um Hitler sem mulheres, tolera-se, agora, sem alemães?! Ainda se fosse a Europa!!!

Daniel Santos disse...

dispensasse os alemães, agora as mulheres...